Entrou na farmácia discretamente sobre os olhares cônicos das mulheres que estavam na fila do balcão. Todos o estranharam quando adentrou em um espaço destinado exclusivamente às mulheres. Foi quando uma senhora o esbarrou para atravessar a fila para chegar a uma outra prateleira cheia de cosmésticos manipulados. Continuou em seu lugar até que todas alí, acostumaram com sua presença.
Na sua vez, pediu os medicamentos para sua esposa que o aguardava em casa em uma tarde fria de um domingo qualquer. Aquela rotina era norma. Estava acostumado.
Antes de entrar no carro viu a lanchonete Jamor aberta e lembrou que sua esposa não tinha preparado o almoço e resolver adentrar o boteco para comprar dois PFs. O local era pobre para um bairro tão tipicamente burguês, e se sentiu a vontade a estes espaços proletários. Estava acostumado.
O balconista logo o abordou:
"Pois não! Posso ajudar? Reparou que no balcão havia pilhas e pilhas de moedas sendo contadas pelo balconista, sendo que em cada pilha de moedas emparelhadas havia a quantia de R$ 1. E separando um novo monte estava um Sr. aparentando ter uns 60 anos de idade, sem as duas apernas em uma cadeira de rodas, usando uma camiseta branca ganhada nas últimas eleições, usando um óculos de armação de acetado e lentes grossas, tipicamente "fundo de garrafa". Ele retirava as moedas de uma sacola de supermercado presa em uma base das cadeiras, ganhadas nos farois do bairro.
"Sim! Gostaria de dois pratos do dia para viagem.
O homem da cadeira pede ao balconista um café com leite.
"Você está de brincadeira! Você só pede pinga, agora vem com esta de café com leite? Tá doente? Um sorriso desdentado resplandeceu o rosto do sujeito da cadeira, que replicou:
"Tá de brincadeira. Agente acostuma.
"Me vê uma cerverja que vou aguardar la fora enquanto os pratos ficam prontos. Saiu e sentou em uma mesa da calçada e olhou o movimento. O homem da cadeira se aproxima, e puxa conversa.
"É... Ele pensa que é toda hora que temos que beber uma pinguinha... (silêncio) Hoje está frio né?
"Sim, é outono, uma estação traiçoeira.
"Sempre trago uma blusa na cadeira, fico sempre com o sangue quente andando de cá prá lá, de lá pra cá. Tive que sair bem cedo do albergue.
"Você dorme em albergue?
"Sim. Há muitos anos. Lá tem hora de entrar e hora para sair. Fico na rua o dia inteiro, a noite vou pra lá dormir. É muita gente. Mas, tudo se acostuma.
"Como é a vida lá? Tem gente de todo tipo; tem televisão, eles dão uma janta e vamos dormir. Eu mesmo vou dormir depois do Jornal Nacional. Não aguento a conversa daquele povo. Olha minha carteira! Retirou do bolso a carteira do albergue com sua foto como sua identidade principal.
"Quando eu tinha pai e mãe era tudo diferente. Hoje a vida é deste jeito né... Tudo se acostuma.
"Quando eu tinha pai e mãe era tudo diferente. Hoje a vida é deste jeito né... Tudo se acostuma.
Foi embora pedalando a cadeira com as mãos.
"Os pratos estão prontos chefe! disse o balconista.
Pagou e foi embora.
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